Wednesday, July 26, 2023

Serra da Canastra – o começo de tudo: Os Quartzitos!

 

fotografia gentilmente cedida por Renato Oliveira


O que Serra da Canastra, Chapada dos Veadeiros, Jalapão e Chapada Diamantina têm em comum?

São os quartzitos...se bem que depois de aprender com os livros do Sávio Bruno, professor da UFF – Universidade Federal Fluminense, poderia ser o pato mergulhão, encontrado por volta de 1980, nos poções das nascentes do Rio São Francisco, no alto da Serra da Canastra, e depois na Chapada dos Veadeiros e no Jalapão1.

O quartzito é uma rocha muito dura e resistente ao intemperismo químico. Isso porque é constituída predominantemente por grãos de quartzo. O Quartzo, além de abundante, é um mineral relativamente duro, comparado aos demais. A escala de dureza relativa, o coloca na ordem de número 7, mais duro que o feldspato, mas mais mole que o diamante, colocado nessa escala na ordem de número 10.

Essas rochas são metamórficas, ou seja, produto da transformação de rochas formadas anteriormente, como um arenito, este sedimentar. Os grãos de quartzo vão se acumulando, depois de desprendidos pelo intemperismo e erosão, transportados para partes baixas, onde se depositam, como fundo de rios, praias e desertos, onde formam imensas dunas. Essas areias, com o soterramento, vão sendo compactadas e cimentadas....mas com o progresso do soterramento, sob elevadas pressões e temperaturas, os grão de quartzo se recristalizam, crescendo e se embrincando um com outros...formando uma rocha muito dura...difícil de se desgastar.

Temos regiões de tabuleiros, chapadas, formadas por pacotes de arenitos, sedimentares, e mais novos que os quartzitos, como a Chapada dos Guimarães, Serra de Aquidauana, nas bordas do Pantanal.

Os quartzitos são rochas muito antigas, e vejam que, por serem metamórficas, temos que levar em consideração a deposição da areia com grãos de quartzo e, depois, o evento metamórfico, geralmente associado com compressões entre placas tectônicas. Os da Serra da Canastra pertencem ao Grupo Canastra, interpretado como frentes deltaicas em ambientes marinhos, com idade de deposição por volta de um bilhão de anos atrás1, circundada por rochas calcárias e argilosas do Grupo Bambuí, formadas tempos depois, em ambiente marinho, de idade ediacarana (por volta de 600 milhões de anos).

Pode-se imaginar a quantidade imensa de areia que se depositou nos deltas do Grupo Canastra, formados por desembocaduras de rios imensos em algum mar antigo. Há um bilhão de anos atrás, época da deposição, não havia vegetação nos continentes e nos mares a vida era muito primitiva, microbiana. Nesse contexto, chuva torrenciais nas áreas continentais, emersas, desprotegidas, eram intensamente erodidas, daí a grande quantidade de areia depositadas nos mares, ditos pre-cambrianos.

A Serra da Canastra, que tem seu nome devido à marcante forma de baú, canastra como era chamada antigamente as malas carregadas pelas tropas. Esse gigante caixote se formou simplesmente porque a conformação geológica da região fez com que as rochas menos duras ao seu redor fossem erodidas. A força da erosão não foi suficiente para romper os quartzitos, por isso essa porção elevada, em meio ao imenso Planalto Central.

As rochas resistentes permitiram o desenvolvimento de vegetação de cerrado – aliado à altitude e clima da parte alta, com os campos de pasto nativo no alto, com predomínio da macega – excelente para criação de gado e produção de um leite gordo, cujo queijo ficava amarelinho, cor de gema de ovo, segundo o Sr Jadir, condutor canastreiro dos bons, que nos levou na parte alta da serra.

No geral, a geologia proporciona áreas de difícil acesso e – por isso – preservadas, proporcionando a criação de parques. Não seria o caso do Parque das Emas, que felizmente preservou parte do Cerrado do avanço da agricultura e, de uma certa forma, na Serra da Canastra também. Nesta, a geologia proporcionou a formação de um pasto nativo de excelente qualidade, numa conformação de topo com boa captação de águas...formando as nascentes do Rio São Francisco. Essas características fizeram com que a parte alta viesse a ser ocupada por 200 famílias, que superaram a dificuldade da encosta, para encontrar uma área plana, onde criavam gado. Não era fácil viver ali, mas as boas condições para criação de gado valia o esforço. Toda comida e sal tinha que ser transportada, o clima frio não permitia plantar. A lenha era escassa, e não tinham troncos para fazer cercas, por isso usavam as rochas para montar seus currais de pedra...que se mantém até hoje, como pontos turísticos.

Viviam lá as famílias, produzindo leite e queijo, criando alguns porcos para seu sustento. Ao matarem um “capão”, chamavam os vizinhos e, em mutirão, separavam banha e carne, dividida entre os convidados, mas antes, logo no início, por tradição, tiravam uma tira da pele da barriga crua...e comiam, com sal e limão, seguido de um bom gole de cachaça. Seguindo o trabalho, que seria mais uma festa, era feito um arroz com o suan ou costela. Sr. Jadir conta que, quando menino, seu pai, ao matar um porco, logo separava um pedaço de carne e pedia para ele levar a um vizinho, em sua algibeira, sendo recebido com festa e agradecimento, mesmo pelo pequeno pedaço, que ajudava na refeição. Sr Jadir ressalta, com saudades, esse tempo de união e colaboração, o que parece não ter persistido com o turismo, mas que poderia ser resgatado, entre os guias canastreiros. O turismo vem crescendo com boas perspectivas para a região, tendo o parque como central à atividade e sua organização, mas presenciamos algumas atitudes mais agressivas...competitivas...de quererem ressaltar uma cidade, frente a outras, como “capital da Canastra” e até um condutor, na cara dura, que quis pegar nossa reserva, feita anteriormente com o Sr. Jadir.

O Parque foi criado em 1972, em plena ditadura militar. Segundo o Plano de Manejo, ocorreu uma grande seca e notícias escritas pelo jornalista Luis Carlo Portillo levaram à sua criação. As 200 famílias que viviam no alto da serra mantinham o costume de seus ascendentes portugueses de atear fogo ao pasto, para ele crescer novo, mais encorpado, e melhor para o gado. Essa prática, junto com a seca, causou na época o rebaixamento assustador do nível do Rio São Francisco, com relatos de dificuldade na navegação. Certamente teve aí um componente econômico envolvido e forças políticas para criação do parque, e não o da preservação de sua biota...muito menos do Pato Mergulhão, cuja existência foi descoberta somente após a criação do parque.

O parque protege hoje um gigante manancial, além de sua biota. O maciço quartzítico elevado funciona como uma imensa caixa d’água, coletando e acumulando a água da chuva....que drena pelas suas fraturas e mantém o nível do Rio São Francisco e – qual não é a surpresa, saber que esse rio, tão importante, tem em suas cabeceiras um incrível salto de 186 m  - Cachoeira Casca d’Anta.

Hoje não há mais nenhum morador na parte alta, que engloba por volta de 75 mil hectares desapropriados, frente aos 200 mil hectares do parque todo, ainda com sua situação fundiária não resolvida.

Histórias são contadas de como os moradores foram tirados de lá.

A polícia chegou, diziam ser da Polícia Federal (fui verificar, ela já existia), mas sob o comando de um general, então pode-se imaginar como chegaram e eram orientados. O Sr. Zé Mário contou que pegavam um jeep willis e amarravam os arames das cercas e saiam puxando tudo, destruindo tudo e atiravam nos latões cheios de leite. O último morador, Sr. Zé Bento, que insistiu em ficar, dizem que foi cercado logo cedo, enquanto ordenhava uma vaca, morta com um tiro na cabeça, depois atiraram no latão recém enchido de leite. Haviam subido com um carro próprio para transportar corpos e mostraram para ele, dizendo que tinha um minuto para sair, com o rebanho, ou deitado no tal caminhão. Sem escolha, desceu a serra com seu gado, deixando para trás sua história e o Curral de Pedra, hoje ponto turístico. Dizem que a polícia chegava em quem estava montado e mandava desmontar e montar o cavalo várias vezes...tudo para humilhar....Histórias tristes, que apenas remontam ao tempo da ditadura, que felizmente acabou, mas se perpetua na violência policial, desnecessária e pouco ou nada eficiente nessa forma de agir.

A parte alta é diferente da parte baixa e tem que ser visitada, de preferência com um condutor cadastrado pelo ICMBio, o que poderia até ser exigência obrigatória, afinal o condutor, além da segurança e proteção ao parque, encanta e torna a visita mais interessante, acrescido do olhar atento, como o do Sr Jadir que localizou um tamanduá, enquanto observávamos dois carcarás. No alto, pode-se ainda ver o raro tatu canastra – um “saco de cimento de 50 kg”, nas palavras do Sr. Jadir. Estava difícil ver um lobo guará, ele explicou que estava pegando os do parque com armadilha, para trocar as coleiras com localizador por chips, por isso estavam ariscos. Nosso condutor, explicando sobre as plantas, sugeriu de voltarmos na primavera e contou, também, a história da flor da canela de ema – que seria “criminosa”, porque ateia fogo quando duas flores estão próximas e soltam faísca, uma sobre a outra. Fui procurar a respeito desse fenômeno, e realmente as folhas produzem uma resina que funciona como comburente natural, com autocombustão nas épocas muito secas e daí viria essa ideia.

Tanto pasto nativo e nenhum veado, perguntei o motivo e o ele respondeu que devia ter sido a grande queimada de 2014, que atingiu praticamente todo o parque, quando muitos animais morreram. Hoje vemos a importância do ICMBio, não só para os parques, como para as propriedades no entorno, com a organização e contratação de equipes do Prev-Fogo, verdadeiros heróis, frente às ações, muitas tidas como criminosas, dizem, dos descontentes que foram retirados do parque.

No alto são duas bacias hidrográficas – a do Rio São Francisco e do Rio Santo Antônio, dois santos milagrosos, como destacou nosso guia. O Rio Santo Antônio percorre para o norte, circunda o maciço e se encontra a leste com o Rio São Francisco. A Geologia e o solo na região do Rio Santo Antônio é diferente, com uma crosta de canga, limonita, na forma de concreções centimétricas (figura 1). Deve ser dessa cobertura de canga que vem o nome da segunda cachoeira visitada, mas encaixada na rocha, daí o nome “Rasga Canga”, apesar de parecer que se rasgava na pedra o pano que hoje usa-se nas praias. Antigamente não se usava esse nome. Na região, canga é a haste de madeira que une dois bois, no carro, um termo muito usado por garimpeiros, para as crostas de ferro (limonita) que recobrem a região, como lá.

 

Figura 1 – Crosta de concreções limoníticas que predominam na Bacia do Rio Santo Antônio, afluente importante do Rio São Francisco. Essas coberturas são também chamadas de canga, como o Rio Santo Antônio, em sua cabeceira, entalha essa cobertura, pode ser daí o nome da cachoeira principal: Rasga Canga.


O garimpo foi uma atividade também exercida na região, em muitos cascalhos, nas margens e leitos do Rio São Francisco, atividade que continua, por diversão ou por teimosia mesmo. Vimos duas estruturas circulares com pedregulhos do mesmo tamanho na margem do rio (figura 2), marca deixada após peneirarem o cascalho. Viram a peneira no seco, e o diamante fica no centro.

 

 


Figura 2 – Rio São Francisco na ponte de Vargem Bonita para a cachoeira da Chinela. Ao fundo os bancos de cascalho, garimpados em busca de diamantes.

O diamante ocorre em duas formas – nos cascalhos (aluvião, ou placer) e primário, na rocha onde se cristalizaram. As lavras nos cascalhos, às vezes na forma de garimpo, são as mais conhecidas, mas a mais econômica são as lavras na rocha primária, que são os kimberlitos, uma rocha alcalina formada por eventos vulcânicos, com origem em regiões profundas, no manto, e trazem para partes mais superficiais os diamantes. Kimberlitos com diamantes são raros e o encontrado na Serra da Canastra em 1974, foi o primeiro que se tem notícia no Brasil2. São corpos circulares, de centenas de metros de diâmetros, facilmente identificados, por contrastarem aos quartzitos brancos e, devido ao solo espesso, com vegetação arbórea.  O nome kimberlito vem da região de Kimberley da África do Sul, onde esse tipo de rocha foi reconhecido inicialmente, e uma das maiores produtoras de diamante do mundo.

O Queijo Canastra

A forma de fabricar o queijo não se diferencia muito do de outras regiões de Minas Gerais, e segue tradição portuguesa, e uma forma de mantê-los, mesmo sem geladeira. Os curados ficavam como pedra, e carregados em sacos, nas costas mesmo, ou em carros de boi e, depois, despejados no chão, feito milho. O Sr Zé Mário conta, rindo, que chegou a ver até gente pisando, nos queijos jogados, descalços ao menos, sem as botas sujas de esterco, e ressaltava, que ninguém morria ou ficava doente. Hoje nem nas queijarias se pode entrar, apenas a queijeira, depois de tomar banho e colocar uma roupa limpa. Esses cuidados são só por exigências sanitárias. Chegou-se até querer impedir a fabricação com leite cru, só pasteurizado. Pensava que as restrições influenciavam no produto, mas não. A qualidade do queijo vem do leite da vaca, que resulta do pasto nativo – com destaque para a macega, junto com outros, que já dominam na região (menos na parte alta), como a braquiária, colonião, esses trazidos da África.

A característica diferenciada do Queijo Canastra resulta do pasto, clima, e altitude, mas segundo destaca o Sr. Zé Mário, o principal é a água, resultado da geologia da região. O Sr Zé Mário explicou que o gado tem que que ter uma diversidade de pasto, cada hora prefere um ou outro, mas disse também, que depende da forma de lidar com a vaca, se ela não quiser, ela não libera o leite todo. Já outro queijeiro disse rezar antes de iniciar o processo. Há, portanto, inúmeras variáveis nesse processo.

O trabalho na fabricação do queijo é intenso. Duas ordenhas por dia, hoje mecanizada, o leite é filtrado e nele se coloca o coalho e o principal: o pingo!

O queijo depois de coalhado, por volta de 20 minutos, vira uma massa, que é prensada num pano e homogeneizada, e colocada numa forma circular, na forma de anel. Coloca-se a massa no anel e, por cima, sal grosso...depois de um tempo, vira-se o queijo e coloca-se sal no outro lado e deixa descansar numa bancada de baixa inclinação (Figura 2). O resto do soro que ainda verte da massa, bem pouco, vai pingando e recolhido numa vasilha – será esse pingo, do final do dia, que vai ser usado na fabricação do dia seguinte. Segundo o Sr. Zé Mário, o pingo de sua queijaria é forte, e usado como remédio em outras queijarias, que vem pegar dele. Detalhe – quem faz o queijo é sua esposa, Dna Valdete, mas ele que leva a fama, mas não é por menos, ele teve importância fundamental no reconhecimento do Queijo Canastra, por isso participou de programas de TV, como do Olivier, que o visita constantemente. Segundo Sr. Zé Mário, são 800 produtores de queijo na região, mas só 70 são certificados pela APROCAN – Associação dos Produtores de Queijo Canastra e deste, apenas 40 em condições de receber o selo da associação, os demais estão se adequando para receber. Falaram que uma grande empresa internacional de queijos fez a proposta de concentrar (leia – “monopolizar”) a fabricação e, com isso, os locais produziriam só o leite, para vender para eles. Ainda bem que os produtores não aceitaram, e a forma de produzir foi tombada pelo IPHAN como Patrimônio Cultural Imaterial em maio de 20083. A certificação foi sobre o modo de fazer, a sua forma artesanal, e não o produto, o queijo em si, por isso um Patrimônio Imaterial.


Figura 2 – Processo de salga da massa inicial, depois de acrescentar o coalho e o tão falado pingo, no processo de fabricação do Queijo (fotografia do Blog Vidas sem Paredes, com excelentes sugestões para visitar a região).

 

Dizem não ter segredo, e não tem mesmo, mas o pingo, considerado um fermento natural, é a conjunção dos microorganismos gerados nesse terroir, junto com a forma artesanal de fabricação, aprendida com seus pais e avós, e esses com os primeiros portugueses que se adentraram na região, trazendo uma tradição da Serra da Estrela de fabricação.

Segundo Dorvalino Campos Júnior, produtor do Queijo da Serra do Cedro, onde o queijo é consumido menos maturado, “mais verde”, ao fazer o queijo, o mesmo processo da Serra da Canastra, há “uma parceria silenciosa entre homem, terra, rocha, rios, capim, vaca, clima, história e bactérias”3, à essa combinação, não poderia deixar de lado o maciço quartzítico que formou a serra.

Pode-se comprar o queijo frescal, sem maturação, ou maturado após 14 dias. Com a maturação, o queijo vai ficando duro e diminuindo de tamanho. Um detalhe do processo de maturação e que ele tem que ser virado uma ou duas vezes por dia e no começo, lavado diariamente. É muito trabalhoso, e por volta de 12 litros de leite para cada queijo, de aproximadamente 1 kg.

Além do Canastra tradicional, de por volta de 1 kg, produzem também Queijo Canastra Real, maior de 5 a 6 kg. Alguns fazem o parmesão, que é um pouco diferente.

As queijarias fazem questão de mostrar seus prêmios recebidos, principalmente os internacionais, é claro que os premiados são mais caros, mas na minha opinião, é uma questão de gosto apenas .

O Sr José Mário, com um sitiozinho que é um primor, mantém sua produção baixa, com cinco a seis queijos por ordenha, já muitos outros aumentara para sessenta a setenta queijos por dia...”cresceu o olho”, como comentou o Sr. Zé Mário. Quanto à ordenha, há diferenças do queijo feito com a da manhã e da tarde, e controvérsias, de qual ordenha produz um queijo mais gordo e melhor, mas como mencionei – é uma questão de gosto.

Nesse ano (2023), o IPHAN encaminhou pedido à UNESCO para o reconhecimento do Queijo Canastra como Patrimônio Mundial.

Mineirês

No local que o Sr. Zé Mário recebe os visitantes tem uma plaquinha com as letras em maiúsculas: COCOIÁOCV.

Perguntei o significado e ele pediu para eu falar em voz alta, letra por letra, ai eu falei: “_ CO CO IÁ OCV”. Ele me corrigiu, porque eu falei as sílabas, de duas em duas, aí ele ressaltou, para falar uma letra por vez...aí falei como ele pediu, e logo respondeu: “_ Aí vc falou...”. Continuei sem entender, mas ele não me explicou, apenas chamou a atenção para o tracinho (acento) em cima da letra A.

Fiquei com aquilo na cabeça, aí na trilha da Cachoeira do Cedrão veio a resposta! “Se você olhar...você vê!”, ora....

 

 

Taninha, conhecida queijeira na estrada na descida do parque.

Texto escrito por Paulo César Boggiani
 

 

Sugestão de sites na internet:

Serra da Canastra, Minas Gerais: guia completo com 12 melhores dicas (vidasemparedes.com.br)  (guia completo, com boas dicas)

https://www.gov.br/iphan/pt-br/patrimonio-cultural/patrimonio-imaterial/reconhecimento-de-bens-culturais/livros-de-registro/saberes/modo-artesanal-de-fazer-queijo-de-minas/ModoArtesanalFazerQueijoMinas_Registro.pdf

 

https://www.gov.br/iphan/pt-br/patrimonio-cultural/patrimonio-imaterial/reconhecimento-de-bens-culturais/livros-de-registro/saberes/modo-artesanal-de-fazer-queijo-de-minas/ModoArtesanalFazerQueijoMinas_ParecerDPI.pdf

OBS- o texto do parecer acima é um primor sobre o jeito mineiro de fazer queijo, vale a leitura.

Referências

1-     Da Silva, C. H., Simões, L. S. A., Damázio, W. L., Ferreira, S. N., & Luvizotto, G. L. (2012). O Grupo Canastra em sua área-tipo, região de Tapira, sudoeste do estado de Minas Gerais. Geologia USP: Serie Cientifica, 83-98.

2-     CHAVES, M. L. D. S. C., ANDRADE, K. W., BENITEZ, L., & BRANDÃO, P. R. G. (2008). Província diamantífera da Serra da Canastra e o kimberlito Canastra-1: primeira fonte primária de diamantes economicamente viável do país.  Geociências, 27(3), 299-317.

3 - Revista Globo Rural – Reportagem: Artesãos do Futuro” Edição 200 – junho 2002. (citação obtida do parecer da certificação de Ana Lúcia Abreu Gomes – link acima)

 

 

 

Sunday, July 30, 2017

Parque Nacional de Itatiaia

Paisagem de altitude, que poucos brasileiros conhecem

Paulo César Boggiani
(10 a 17 de julho de 2017)

Por volta de 70 milhões de anos atrás, gigantesca massa de magma quente e fundente se instalava na crosta, comunicando-se com a superfície através de um vulcão de 4 a 5 km de altura, ou até mais. Na parte mais profunda, o resfriamento se dava de forma mais lenta, com tempo para formação de cristais com alguns milímetros. A placa da América do Sul se distanciava da África e o Oceano Atlântico se formava.
Neste processo de separação de placas tectônicas, antes unidas, a borda da América do Sul se levantou, e foi e vem sendo erodida até  a situação atual, formando a Serra do Mar. No fundo do Oceano, na região costeira, formavam-se bacias sedimentares e suas imensas reservas de petróleo e gás dos campos do Pré-Sal. Continente adentro, o relaxamento da crosta provocou abatimento de blocos de rocha, limitados por falhas. Um desses, rebaixado, é serpenteado pelo Rio Paraiba do Sul, a caminho do Rio de Janeiro. A oeste deste rio, levantou-se outro bloco imenso, que veio formar a Serra da Mantiqueira, região elevada que tem os maciços do Passo Quatro e de Itatiaia, como suas maiores altitudes, entre as mais altas do Brasil, acima de 2 500m.

Vista da Serra do Mar, mais elevada ao fundo, a partir do mirante do Último Adeus. Abaixo da Serra do Mar, entre essa e a Serra da Mantiqueira, onde se encontra o Maciço de Itatiaia, nota-se a porção rebaixada, na forma de graben (bloco tectônico abatido e limitado por falhas), por onde passa o Rio Paraiba do Sul. Na foto nota-se Represa do Funil.



Esquema Geológico do livro clássico Geologia Geral de Leinz & Amaral (1989).

As rochas alcalinas, que formam os maciços mais altos, não seriam mais resistentes do que as que as envolvem, os gnaisses da Serra da Mantiqueira, até porque o provável vulcão que ali existia, teria sido bem mais elevado. Isso faz pensar que os maciços são assim tão altos por terem se formado há pouco tempo, tendo em mente a escala do tempo geológico, uma vez que as rochas que o circundam têm mais de 600 milhões de anos, enquanto as dos maciços apenas entre 60 e 70 milhões de anos.
As rochas alcalinas que formam o maciço de Itatiaia são chamadas de sienito e nefelina-sienitos e se diferem dos granitos por apresentarem pouco ou nenhum quartzo, mineral resistente ao desgaste físico (devido à dureza) e ao intemperismo químico. Por serem rochas com muito feldspato, são rochas propícias à formação de bauxita, minério de alumínio, através da ação do intemperismo, por isso rochas de interesse econômico.
A parte central do maciço tem  mais quartzo e granulação mais grossa devido, provavelmente, se encontrar no centro da antiga câmara magmática. São essas que formam as partes mais altas do Pico das Agulhas Negras e Prateleiras. Nesse local da câmara magmática, antes em profundidade, o magma se resfriava mais lentamente, dando tempo para formação de cristais maiores, ao contrário da borda, onde o resfriamento rápido solidificou o magma e, por isso, a rocha tem cristais menores.
As rochas acima da câmara magmática foram, ao longo de dezena de milhões de anos, sendo desgastadas pela erosão, acelerada pelos processos tectônicos de soerguimento da Serra da Mantiqueira, associados à separação continental. Desta forma, as rochas formadas na parte mais profunda da crosta, afloraram na superfície e passaram a compor o relevo da região moldados pela ação integrada entre vegetação e clima, numa interação sistêmica – é o Sistema Terra em funcionamento. Essa interação funciona de forma distinta entre a parte alta e baixa do maciço,  e é possível ver essa transição, por volta de 1 800 m, no Hotel do Ypê, um pouco abaixo do complexo das cachoeiras, ao final da estrada interna da parte baixa do parque.
Os maciços rochosos encontram-se fraturados, resposta dos movimentos na crosta sob rochas já solidificadas. As fraturas formam, em profundidade, blocos geométricos, de faces planas, posteriormente arredondados. Esses arredondamentos deve-se a um processo chamado de esfoliação esferoidal. Esse processo pode ser visto no caminho para as prateleiras, onde o intemperismo é mais acentuado nos vértices dos blocos, de forma intermediária nas arestas e menor nas faces, justamente devido à diferentes áreas área de exposição da rocha frente ao ataque químico, maior nos vértices.




Processo do intemperismo nas rochas de Itatiaia, na estrada para as Prateleiras, agindo com mais intensidade nas fraturas.




Processo de formação de blocos arredondados pelo intemperismo em rochas previamente fraturas, denominado “esfoliação esferoidal”, que dá o aspecto de cebola se desfazendo em camadas concêntricas. Extraído de https://www.geocaching.com/play


Na parte baixa do parque, podemos ver a exuberância da Mata Atlântica, na parte alta, no planalto, em tão curta distância, paisagem tão distinta, resposta da altitude, que proporciona a formação de campos tão característicos.Na parte baixa, o clima mais quente proporciona maior alteração das rochas e solos mais espessos, o que leva ao desenvolvimento da mata fechada, com algumas araucárias e repleta de palmeiras de palmito jussara. No alto, sob clima mais frio, a alteração das rochas e formação de solo é mais lenta, mas suficiente para, através da dissolução da água que escorre pelas rochas, formar caneluras, muitas delas que dão o nome ao pico de Agulhas Negras. A vegetação, de campo de altitude, é bem diferente do que se conhece pela região e abriga espécies vegetais raras e endêmicas do famoso flamenguinho, anfíbio que é o símbolo do parque.
Entre os animais no parque, as cobras são raras e a região é muito procurada pelos observadores de aves, com lista de observação de 384 espécies, com abundância dos tico-ticos, segundo texto do plano de manejo do parque. Consta que a trilha dos Três Picos, na parte baixa, é muito boa para observação de aves. É muito comum ver jacuaçus  circulando pelas estradas, com seu característico papo vermelho. Esses, em quantidade, são tratados como animais de estimação no Hotel do Ypê. A região apresenta também jaguatiricas, raposas e lobo-guará e facilmente se observa bandos de macacos pregos.
Não se imagina paisagem tão distinta em região tão próxima ao eixo São Paulo – Rio de Janeiro, paisagem que lembra, com seus campos entre rochas expostas, às das Highlands da Escócia. Toda essa diferença, em espaço relativamente curto, deve-se à altitute, proporcionada por rochas ainda jovens, geologicamente falando, ainda não totalmente erodidas, como as demais ao redor do maciço.
O que chama a atenção, na parte alta, são as exposições rochosas com suas ranhuras e caneluras. Essas ranhuras são chamadas de lapiás, e muito comuns em rochas calcárias, devido à dissolução da rocha pela percolação da água, cuja acidez é acentuada pela matéria orgânica, mais comum na parte alta, preservada pelo frio, formando depósitos de argila preta, conhecidos como turfa. Nota-se, também, na subida para o Pico das Agulhas Negras, inúmeras “bacias” na pedra,  denominadas marmitas, também devido à dissolução.


Ranhuras ou caneluras (lapiás) na rocha alcalina (nefelina sienito), originadas pela dissolução da rocha pelas águas.

As caneluras, ou lapiás (termo mais técnico), proporcionam as escaladas nas faces das rochas.



As depressões circulares, mais frequentes nas partes menos inclinadas da rocha são denominadas kamenitzas,  e as caneluras lapiás, segundo Talim & Bueno (2014, Revista Brasileira de Geomorfologia, 15(3):327-338), em estudo dessas feições cársticas (nome dado ao relevo de rochas dissolvidas pelas águas, mais usualmente empregado para regiões calcárias, com cavernas).



A parte alta do Planalto tem como referência o abrigo Rebouças, casa rústica de pedra, referência para muitos excursionistas e alpinistas, ao lado do qual se pode acampar. O abrigo recebeu esse nome em homenagem ao engenheiro e Abolicionista André Rebouças, nome também de importante avenida na cidade de São Paulo.
André Rebouças participou da expedição juntamente com a Princesa Isabel e seu marido Conde D´Eu. Foi um dos primeiros a propor a preservação da região, seguido de outros, como Santos Dumont, até que o parque foi criado, por Decreto do Getúlio Vargas, em 1937. André Rebouças fez essa proposta em 1876, quatro anos após a criação do Parque de Yellowstone nos EUA, o primeiro dessa categoria no mundo.
André Rebouças pode ser considerado como um dos primeiros a ter o raciocínio do desenvolvimento sustentável, hoje tão propagado, ao se pronunciar pela criação de parques nacionais em 1876 – pois, segundo ele, “a geração atual não pode fazer melhor doação às gerações vindouras do que reservar intactas, livres do ferro e do fogo, as belas ilhas do Araguaia e do Paraná”, ao propor outras áreas para preservação, além de Itatiaia.
Mas a história de Itatiaia passa pela fase das colônias agrícolas. No início dos anos 1900,  áreas da parte baixa foram adquiridas pelo governo, cujo proprietário era filho do empreendedor Visconde de Mauá, para esse fim, junto com a criação da Colônia Visconde de Mauá.
As colônias, principalmente a de Itatiaia, não se desenvolveram e lotes foram vendidos para estrangeiros que, ao invés da empresa agrícola, optaram pelo turismo, montando hotéis, alguns ainda hoje em atividade, como o Hotel do Ypê (um doas mais altos a 1 250m), o do Donati e o Aldeia dos Pássaros. O Hotel Simon, tradicional na região, foi desapropriado recentemente pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – ICMBio, órgão federal que administra o parque, onde se pretende criar uma instituição de ensino.


Foto antiga do atual abrigo Macieiras, que recebe esse nome em referência às frutíferas ali plantadas pelos europeus da antiga Colônia Itatiaia, com mudas trazidas da Europa. Esse foi o caminho original para a parte alta, antes da estrada, hoje conhecido como trilha Ruy Braga. Foto extraída de http://ruicamejo.blogspot.com.br/2008/06/hoje-4-de-junho-o-ncleo-colonial-de.html



Usina hidrelétrica de 1939 às margens do Rio Campo Belo para a Colônia Agrícola. A casa, em ruínas, pode ser vista ainda na Pousada Aldeia dos Pássaros.

Antes da criação do parque,  e após o insucesso da colônia agrícola, a área foi uma reserva biológica, instituída em 1927, vinculada ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Por pressão do Botânico Loefgren e de manifesto ocorrido durante Congresso  de Geografia, no Rio de Janeiro, Getúlio Vargas criou o primeiro parque nacional no Brasil, em 1937, com área aproximada de 13 000 hectares, categoria criada com a instituição do Código Florestal em 1934.
Antes da criação do Parque Nacional de Itatiaia, iniciativa de preservação se deu com a criação de reserva ambiental, no Acre, em 1911, ao longo do Rio Purus, exclusivamente para preservação da floresta, sem o a ideia de um parque, onde se pensava visitas turísticas.
O turismo foi pensado no processo de criação do Parque Nacional de Itatiaia, tanto que o decreto de criação previa, para os colonos da parte baixa, o arrendamento de suas terras para hotéis e hospedagem. Isto explica, em parte, a complexa situação fundiária que ali se encontra. A ampliação da área do parque se deu em 1982, para a área atual de 28 000 hectares.

Portão de entrada da Reserva Florestal do Itatiaia, vinculada ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, antes da criação do parque.  http://jbrj.gov.br/jardim/historia

Nos seus primórdios, o acesso ao parque se dava apenas pela parte baixa, passando pela cidade de Itaiaia, até uma boa estrutura da sede, que virou museu, e hoje é o centro de visitante, onde foi recentemente inaugurada interessante e bela exposição sobre o parque.
Os interessados na região acessavam a parte alta por trilha, que quase virou estrada contínua para cortar o parque, de sudeste a noroeste, ligando a parte baixa à parte alta. Por essa trilha subiram as primeiras expedições, entre elas a da Princesa Isabel, que certamente chegou na base do Pico das Agulhas Negras, mas sem informações precisas se teria ou não atingido seu cume.  Demais personalidades também estiveram na região como Burle Marx, Vinicius de Moraes e o pintor pintor Alberto da Veiga Guignard, que se hospedavam no Hotel Donati . É de se imaginar a surpresa de, ao subirem pela mata fechada, da hoje denominada trilha Ruy Braga, observarem a transição para os campos e – de repente – se depararem com os imponentes maciços de pedra sulcadas das Agulhas Negras e Prateleiras, meio a um campo, que dizem, intensamente florido na primavera. No verão, a parte alta é pontilhada pelas perececas pretas de ventre vermelho que, devido às cores, são chamadas “flamenguinhos”.


Detalhe do anfíbio “flamenguinho”No inverno, hibernam, enterrados no solo e sedimento e, por esse motivo, vistos apenas no verão. Foto extraída de http://www.itamonte.net/portal/curiosidades-sobre-o-sapinho-flamenguinho/

A parte alta do Parque passou a ter acesso de carro  com a construção da BR 485, que tem início na Garganta do Registro, no alto da estrada que liga Engenheiro Passos a Itamonte. Essa garganta, cujo nome se deve ao fechamento dos morros, no alto do divisor de águas, foi escolhida para ser um posto de fiscalização, nos tempos do Brasil Colônia, para os que transportavam ouro para a baixada, na região de Parati, rumo à Portugal, depois de conferido o pagamento dos quintos (imposto de 20% de todo ouro extraído, pago para a Coroa Portuguesa). Daí teria vindo a expressão tão comumente usada “quintos dos infernos”, além de outra, que aprendi com o condutor ambiental que nos conduziu ao cume das Agulhas Negras – “lavar a égua”. Essa, é usada ainda hoje com forma de expressar alguém que se deu bem financeiramente. Sonegadores espalhavam o ouro em pó fino pelo couro dos muares, usado no transporte, junto com as barras fundidas nos postos oficiais, com o carimbo colonial atestando o pagamento do “quinto”, e depois do registro, lavavam os animais sobre um pano estendido, para coletar o ouro não taxado, mostrando, assim, que a prática de sonegação já vem de longa data.
A abertura dessa nova estrada, BR- 485, hoje chamada Rodovia das Flores, inaugurou nova fase do parque, recheada de fatos históricos. A intenção dessa estrada, considerada como a de maior altitude do Brasil, era cortar o parque, passando pelo abrigo Rebouças e descendo pela parte sudeste. A estrada não foi terminada, mas tem trechos ainda asfaltados, no caminho para as Prateleiras e, na parte baixa, e guarda-corpos de concreto, demonstrando que carros subiam até onde hoje há construções abandonadas, como a do antigo hotel Macieira. A estrada é transitável apenas da Garganta do Registro até o abrigo Rebouças, passando pelo Posto 3, entrada do Parque, de onde a estrada é bem pedregosa e, no verão, fechada para carros, devido a reprodução das pererecas “flamenguinho”. Esse trecho é também limitado ao trânsito de 12 carros por dia. Passado esse limite, o carro tem que ser deixado no estacionamento ao lado do Posto 3 e o trajeto, até o abrigo Rebouças (2,5km), tem que ser feito a pé, num passeio agradável, em declive negativo suave, de 40 minutos, que permite conhecer bem a paisagem de campo de altitude.
A ligação entre a parte baixa do parque e parte alta tem 68 km de distância e leva-se, de carro, por volta de 1h30m.

Parte da estrada que liga o Posto 3 (Posto do “Marcão”) ao Abrigo Rebouças.



Vista do alto do Pico das Agulhas Negras para o abrigo Rebouças, com a estrada para o Posto 3 (Posto “Marcão”), à direita da foto. Ao fundo, vista do Maciço do Passa Quatro, onde se localiza a Pedra da Mina(2798 m de altitude), considerada, recentemente, 7 m mais alta do que o Pico das Agulhas Negras (2791 m), através de reavaliações feitas pelo IBGE e IME (Instituto Militar de Enghenharia) em 2004 e 2015. (sobre essa questão ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Pico_das_Agulhas_Negras).


A parte alta do parque, considerada uma das mais frias do Brasil, é sujeita à queda de neve, sendo frequente as geadas e água congelada  pela madrugada e manhã. A foto acima, da nevasca de 1985, da estrada para o abrigo Rebouças é de http://www.itamonte.net/portal/agulhas-negras-sera-que-este-ano-neva-no-pico/


O Posto 3, recentemente chamado de Posto “Marcão”, é homenagem póstuma ao funcionário Marco Antônio Moura Botelho, naturalista auto didata, que auxiliou em inúmeras pesquisas na região, serviço exemplar e combatente do Previ Fogo, quando teve seu braço seriamente ferido, gerando sequelas para o resto da vida, constando dos agradecimentos em inúmeras teses e dissertações. Boa iniciativa do ICMBio ao valorizar seus funcionários.


Posto 3, no interior do parque, recentemente batizado de Posto “Marcão”, onde é feito o registro e controle de entrada de veículos e visitantes e, também, pagamento do ingresso (o ingresso pago na portaria 1, na parte baixa, vale para todo o parque e vice-versa). Ponto de encontro dos condutores ambientais para visitação. Sobre os valores dos ingressos, variável conforme o dia da semana, ver site do ICMBio. Há preço diferenciado para os moradores dos arredores, reduzido a R$ 3,00 por pessoa.

A estrada da parte alta foi construída antes da criação do parque em 1937. Os abrigos Rebouças e Massena foram construídos em 1950,  homenageados com o nome do engenheiro baiano abolicionista e o segundo, também engenheiro, que teria tentado subir o Pico das Agulhas Negras, em 1856, sem sucesso. É da mesma época a construção da “Casa de Pedra”, ao lado da represa do Brejo da Lapa, hoje colmatada com a vegetação.  A Casa de Pedra foi construída para hospedagem, atualmente para pesquisadores, e muitos dizem ter sido usada por Getúlio Vargas como refúgio. Face às tendências nazistas que a história demonstra que teria tido, teria se inspirado no “Ninho da Águia”, casa na Bavária, usada pelo Hitler. Mas há poucas constatações de que Getúlio tenha estado lá mais do que duas vezes, sendo uma na inauguração do parque, e até mesmo se, algum dia, um hidroavião tenha pousado na represa próxima, construída para gerar energia para a casa. Matérias em jornais mencionam, também, que Getúlio teria ali se refugiado na revolução de 1932, mas também não há comprovações disso, já que, durante o conflito, não teve essa necessidade.
O frio da região e dificuldades de acesso proporcionam especulações sobre a região ter sido esconderijo de nazistas, fugidos com a derrota na guerra e ao fato, também, de se ter, na região, muitos colonos europeus. Dizem alguns, que nazistas se refugiaram no antigo hotel Alsene, hoje abandonado, próximo ao Brejo da Lapa, onde a represa, dizem, ter sido construída para pouso de hidroavião.  O uso desse tipo de aeronave, no entanto, remete a outras histórias nazistas, ao trazer a lembrança do uso deste na represa Guarapiranga, em São Paulo. Essa aeronave era pilotado pelo filho do aviador, nascido na Letônia, Herbert Cukurs que, em 1965, foi levado para uma emboscada e executado  no Uruguai pelo Mossad – serviço secreto israelense, acusado de ter colaborado com o regime nazista, quando da invasão da Letônia.
A história de nazistas na região tem também como marco a celebração, póstuma, dos setenta anos do ditador nazista, em hotel na parte baixa, em Itatiaia, no Hotel Tyll, em 20 de abril de 1978. Essa festa teria sido usada como armadilha para prender o carrasco Gustav Franz Wagner, conhecido como “a Besta de Sobibor”,  que, depois de solto, teria se suicidado, ou assassinado como pensam outros em Atibaia. O que demonstra que a presença nazista na região, não seria apenas especulação, como parece ser a presença do Getúlio Vargas na região.
Outro presidente que passou pela região foi Juscelino Kubitschek, primeiro como tenente-médico das tropas legalistas, contra os revoltosos paulistas em 1932 , depois já como presidente, frequentava um sitio na região, mas fora do parque até sua morte, em 1976, na região, na Rodovia Dutra, em trecho próximo à cidade de Resende, no km 165. O veículo opala onde viajava teria batido de frente num caminhão que vinha no sentido contrário, depois de perder o controle e invadir a pista oposta. Fato pouco noticiado na época, sob restrição da censura da Ditadura Militar, voltou recentemente aos noticiários, durante os trabalhos da Comissão da Verdade, devido à suposição de um possível tiro dado no motorista do Opala, revelado pela autópsia póstuma, quando verificaram um orifício no crânio do motorista, mas depois constatado ter sido provocado por um prego  do próprio caixão.
Outro fato histórico na região são as construções no parque, projetadas pelo arquiteto Angelo Alberto Murgel (1907-1978), responsável também por edificações nos Parques Nacionais da Serra dos Órgãos e do Iguaçu, criados logo depois, em 1939. Sua visão paisagística previa a harmonia com a paisagem, daí o uso de pedras da região, e era conhecido por procurar a opinião de outros profissionais como zoólogos, botânicos e demais  arquitetos e engenheiros e paisagistas no planejamento dos prédios e vias de locomoção, para que fossem funcionais. O arquiteto Murgel foi responsável, também, pelo campus Universidade Rural do Rio de Janeiro (Seropédica), em 1938, considerado um dos mais harmoniosos do Brasil.
O parque é cortado  por dois rios principais, ambos com nascente nas proximidades do Pico das Agulhas Negras, seu ponto mais elevado. O Rio Campo Belo, que forma o complexo de cachoeiras da parte alta, de nome Maromba (mesmo nome da localidade da cachoeira do Escorrega, na região de Visconde de Mauá, do lado oposto), tem sua nascente próxima ao Posto 3, e desce em vale plano, até próximo às Prateleiras, até cair em desnível mais abrupto. Através desse vale que se encontra parte da antiga estrada, hoje trilha Ruy Braga, de 22 km, que alguns fazem sem pernoite, em 10h de caminhada, descendo. Outra opção é acampar no abrigo Massena, ou Macieiras, ambos em ruína, ou seguindo por ramal secundário à trilha, no sentido de antiga antena repetidora da TV Globo, em alojamento do parque (Casa Água Branca).


Vista do alto do planaldo (parte alta), com o vale do Rio Campo Belo passando entre o Pico das Agulhas Negras e Prateleiras, para descer, em maior declive (parte superior da imagem), pela trilha Ruy Braga.  Extraido de http://www.abaixodezero.com


Vista do Córrego Campo Belo, que corta o parque de Norte para Sul, no sentido da cidade de Itaiaia. Suas nascentes encontram-se próximas do Posto 3 (Posto “Marcão) e é acompanhada pela Trilha Ruy Braga. Acima, na foto, no início da parte mais inclinada, encontram-se as cachoeiras da parte baixa do parque.
                                                                                                                                                              

Trajeto das trilhas que dão acesso às cachoeiras da parte baixa, da região da Maromba, fim da trilha Ruy Braga. Foto da placa no núcleo Maromba.

Outro rio que corta o parque, e marca outra travessia, é o Rio Preto, que passa por Maringá e Visconde de Mauá, divisa dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Pelo Rio Preto, passando pela cachoeira do Rio Airuoca, seu afluente, temos a trilha do Rancho Caído, também com início no Abrigo Rebouças, com 27 km, onde se faz em dois dias, com pernoite na Pousada da Dna Sônia. Paralelo à essa trilha, mas pegando a outra margem do Rio Preto, praticamente uma grande volta ao norte, passando pelo vilarejo de Serra Negra, em trajeto mais longo, tem-se a opção da trilha da Serra Negra, com 32 km.
As travessias exigem logística de condução. Um taxi da rodoviária de Itatiaia ao posto 3, na parte alta do parque, fica ao redor de R$ 200,00. O condutor Evandro Azevedo (contatos no final do texto), organiza um pacote para fim-de-semana, para a mais longa (a da Serra Negra, de 32 km), ainda ativa rota de tropoeiros, com condução, pernoite e refeições e o serviço de condução por R$ 450,00 por pessoa, com saída de Resende ou Itatiaia, onde se pode deixar o carro.
Além dessas três travessias, sendo a do Rancho Caído, entre o Abrigo Rebouças e Mauá, a mais frequentada, o parque tem trilhas que podem ser feitas em um dia, algumas conjugadas com pequenas escaladas. É possível atingir a base do Pico das Agulhas Negras, Prateleiras e Couto sem guia. Mas para as trilhas com escaladas, recomenda-se ir com um condutor preparado e equipado. A atividade fica mais rica com o condutor, que nos fornece boas dicas, além de informações e histórias da região, como a sugestão de fazer a travessia, de um dia, entre Couto, perto do Posto 3, e Prateleiras, acompanhando a borda do maciço de rochas alcalinas. Ainda na parte alta, há a opção da trilha dos cinco lagos.
As escaladas têm limite de visita por dia. Aos fins de semana e feriados são muito concorridas, o que faz alguns condutores dormirem no carro, para bem cedo, fazerem a reserva, que é feita diariamente no Posto 3.



Atrativos do parque na parte alta, em mapa no centro de visitantes.




Atrativos do parque na parte baixa, em mapa no centro de visitantes.


Na parte baixa, procurada pelas cachoeiras, há trilhas mais curtas, inferiores a mil metros, às piscinas e cachoeiras e a trilha mais longa, dos três picos, com início próximo à Pousada do Ypê. Há condutores ambientais que acompanham as observações de aves.


Informações sobre a trilha dos Três Picos, na parte baixa, indicada para observação de aves.


Recentemente, uma opção a mais de visita ao parque, para cadeirantes e pessoas com dificuldade para andar, foi proporcionada pela iniciativa da “montanha para todos”, com a criação da cadeira adaptada, chamada carinhosamente de “Juliete”, a qual se pretende espalhar pelas trilhas e montanhas do Brasil.


Cadeira adaptada para trilha da iniciativa de WWW.montanhaparatodos.com.br




Foto de divulgação do trabalho, extraído do site http://montanhaparatodos.com.br/


O Parque Nacional de Itatiaia, apesar do reduzido número de funcionários, por volta de duas dezenas apenas, mais os funcionários terceirizados, tem se mostrado em boas condições, trilhas limpas e bem cuidadas e sinalizadas, apesar do número relativamente alto de visitantes, principalmente na parte baixa, à procura das cachoeiras. É um dos parques no Brasil mais preparado para visitação, comparado aos demais, e demonstra a iniciativa do ICMBio de proporcionar o acesso público às áreas naturais, além de reforçar o trabalho dos condutores ambientais locais.

O trabalho dos condutor ambiental local (CAL), valorizado pelo ICMBio, é fundamental para enriquecimento e segurança da visita, além de colaborar com o parque e proporcionar emprego e renda para a comunidade local.


Integrado, mas separado do parque, temos a região de Visconde de Mauá, onde se encontram três pequenos lugarejos bem turísticos, pertencentes a três municípios diferentes: Maromba, onde se localiza a Cachoeira do Escorrega, pertencente ao Município de Itatiaia, Maringá, cortada pelo Rio Preto, metade pertencente ao mesmo município do Rio de Janeiro e outra ao de Bocaina de Minas, já em Minas Gerais, e Visconde de Mauá, pertencente à Resende. Essas localidades passaram a ser mais conhecidas na década de 1970, devido à presença de hippies, que acabaram por promover o turismo na região. Foi cenário do romance “O Coiote”, famoso entre os jovens na época, do psiquiatra Roberto Freire e suas teses, não ortodoxas, que levaram a criação da Somaterapia, definida como uma terapia pedagógica libertária, de fundamentos anarquistas. Nessa região, nos limites do Parque Nacional de Itatiaia, foi criado o Parque Estadual da Serra Selada, em junho de 2012, com sede em Visconde de Mauá, o que pode incrementar ainda mais o turismo de natureza na região.

Dois mundos diferentes, paisagens e interações distintas em espaço tão pequenos. Conjunções de acasos, desde um projeto agrícola com europeus, fugindo da miséria, até intentos preservacionistas. O Parque Nacional de Itatiaia é marcado pelos constrastes, separados apenas pelas altitudes, palco de fatos históricos, proporcionados por uma intrusão alcalina em passado geológico nem tão remoto assim.


- Opções de hospedagem
Dessa vez, não ficamos acampados, receosos do frio. Alugamos uma excelente casa pelo Airbnb – que fica como dica (fotos abaixo).

Casa alugada pelo Airbnb – Sítio Córrego Alegre. https://www.airbnb.com.br/rooms/902094?location=Itatiaia



Casa alugada pelo Airbnb – Sítio Córrego Alegre. https://www.airbnb.com.br/rooms/902094?location=Itatiaia

Outra boa opção de hospedagem, na parte baixa, é o Hotel Donati, antigo hotel,  onde Vinicius de Moraes se hospedava.


Foto da inauguração do Hotel Repouso de Itatiaia em 1931, antes da criação do parque, hoje Hotel Donati.



Biblioteca do Hotel Donati, em parte reservada à memória dos primórdios do turismo na região, antes da criação do parque, quando tinha o nome de “Recanto de Itaiaia”, hoje nome de seu fundador.
É possível acampar na parte alta- no camping do parque, ao lado do Abrigo Rebouças. Outra opção, na parte alta, é acampar no Camping e Pousada dos Lirios em Vargem Grande, mas tem que pegar um desvio, perto da Casa de Pedra, e descer 4 km em estrada ruim, até Vargem Grande.


Área de camping próxima ao abrigo Rebouças, com reservas pelo site do ICMBio.


Vista da estrutura de apoio ao camping, com banheiro e refeitório. O camping está estruturado para barracas pequenas, do tipo iglu, não as grandes com cozinha, não tendo nem espaço para esse tipo de barraca.


Tendo em mente que  - no inverno - como em 1985, pode nevar!

Em Maringá, perto da cidade de Visconde de Mauá, vimos uma boa opção de camping, o Santa Clara, cujo dono – Sr. Eurico Muniz - mora no local – e é quem geralmente recebe os campistas. Camping bem sossegado, a R$ 35,00 o valor por pessoa.


Vista do gramado do Camping Santa Clara, em Maringá (Visconde de Mauá), com banheiros com água quente (aquecimento central), mas sem cozinha e geladeira, mas o vilarejo é próximo para compras.

Registro de nossa chegada ao cume do Pico das Agulhas Negras, juntamente com o condutor Evandro. Imagem, ao fundo, das Prateleiras.



Nosso condutor ambiental local e guia de Montanha Evandro Azevedo. A placa de alerta, deveria incluir a recomendação de apenas seguir, a partir desse ponto, acompanhado de um condutor cadastrado.





O uso de mapa (Folha 1: 50 000 Agulhas Negras do IBG), ajuda entender a geografia da região. Vejam a atenção das meninas....




Referências sobre determinadas informações no texto e fontes de informações adicionais



- Informações sobre trilhas e escaladas no Parque Nacional de Itatiaia (baixar folder)
http://www.icmbio.gov.br/parnaitatiaia/images/stories/78_Anos/O_Primeiro_Parque_do_Brasil.pdf
http://partiucidades.blogspot.com.br/2016/07/itatiaia.html   (blog bem completo com fotos e videos das montanhas e cachoeiras)
- Contato do Condutor Ambiental Local e guia de escalada Evandro Azevedo
(24) 9812-7873   Face 0 fmontanhasdoitatiaia
WWW.montanhasdoitatiaia           evandropatissier@outlook.com
- Informações gerais sobre o PNI (plano de manejo)
Corrêa, M.S. Itatiaia: o caminho das pedras.São Paulo: Metalivros, 2003. 240 p.
Leite, Elton Perillo Ferreira. 2007. O Planalto de Itatiaia. Publit, Rio de Janeiro, 234 p.
- Vídeo editado do parque, com efeitos, mas que mostra bem a paisagem local, da parte alta
http://www.extremos.com.br/noticia/2015/0618_parque_nacional_do_itatiaia_making_of/
- decreto de 1911 – de criação da primeira reserva no Acre
https://uc.socioambiental.org/sites/uc.socioambiental.org/files/Reserva%20Florestal%20AC_Decreto8843_1911.pdf
- Informações sobre a geologia
Ribeiro Filho, E. 1963. Geologia e petrologia dos maciços alcalinos do Itatiaia e Passa Quatro. Boletim FFCL-USP(302). Geologia (22):5-93.
Penalva, F. 1963. Geologia e tectônica da região do Itatiaia (sudeste do Brasil). Boletim FFCL-USP (302). Geologia (22):95-106
Teixeira, Wilson e Linsker, Roberto (Coordenação). 2007. Itatiaia: Sentinela das Alturas. São Paulo:Terra Virgem.

- Sobre o funcionário “Marcão” – homenageado como o nome do Posto 3, da parte alta
http://gvces.com.br/a-volta-do-guarda-parque-e-do-geraiseiro?locale=pt-br
- Sobre a presença de nazistas em Itatiaia
http://rollingstone.uol.com.br/edicao/51/nazismo-tropical#imagem0
https://hinouye.wordpress.com/2014/03/02/a-historia-dos-seabees-da-guarapiranga/
- Sobre a morte de  Juscelino Kubitschek  na Via Dutra
                    https://serqueira.com.br/mapas/itat.htm - sobr JK
http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2012/06/03/interna_politica,298041/motorista-do-onibus-que-teria-fechado-o-carro-de-jk-fala-pela-primeira-vez.shtml  sobre o acidente ou não com JK
- Sobre a Somaterapia do “anarquista, escritor e terapeuta” Roberto Freire
http://www.somaterapia.com.br/soma/a-somaterapia/

- Sobre a complexa situação fundiária do Parque, desde os lotes da colônia agrícola e novo limite de 1982 –
e texto do plano de manejo do parque

- sobre o Arquiteto Angelo Alberto Murgel (1907-1978), autor dos projetos do centro de visitantes e demais edificações no parque
LIMA, F. J. M. de. 2003. Tradição e Modernidade no percurso do arquiteto Ângelo Murgel:Parque Nacional do Itatiaia e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, dois projetos urbanísticos. Publicado no Boletim do Parque Nacional do Itatiaia, vol. 11.
- O Parque Nacional de Itatiaia criou e mantém um boletim específico para divulgar os resultados das pesquisas ali realizadas, disponível no endereço abaixo
http://www.icmbio.gov.br/parnaitatiaia/o-que-fazemos/pesquisa/boletins.html